A janela semi-aberta, deixa o quarto frio apenas o suficiente para espantar o sono antes de terminar o trabalho. Sobre a prancheta, papéis com esboços da ilustração a ser finalizada. Sujeira de grafite e a madeira do lápis apontado, denunciam meu desleixo. Outro papel ao lado, espera para ser amassado e jogado ao cesto perto dos meus pés. Seria ele o principal objeto da noite, não fosse pela rodela marrom de café deixada pela minha xícara... mais denuncias de desleixo.
O ar pela abertura da janela se torna úmido, então eu noto uma garoa tão fina que as gotículas dançam em vários sentidos iluminadas pela lâmpada do poste em frente. O poste sustenta fios que balançam ao ritmo imposto pela brisa noturna, distribuindo gotas ao longo da calçada.
Num desses fios ele está pousado, reluzidas pela umidade, suas penas mais parecem carapaças sobre suas asas, que cobrem um torço diminuto e ameaçadoramente sombrio. Sua cabeça, fincada sobre o corpo na tentativa de sobreviver ao frio, se mescla a negritude e só é revelada pelas gotas que escorrem até a ponta do alongado bico, e pelos olhos de extrema cor ocre.
No balançar do fio, ele se equilibra, como se ali já estivesse por toda sua vida, indo e vindo, deixando o vento reger a inconstância do momento. Vez ou outra ele sacode sua cabeça e penas, para que o excesso de água seja lançado ao ar quase que em borrifos brilhantes. Em dois passos curtos para o lado, ele se ajeita novamente, e seus dedos circundam fortemente o fio.
Sua cauda de penas negras e alongadas fazem movimentos verticais a cada sopro mais forte que o vento dá, afim de garantir o equilíbrio na sua insólita pousada. Em determinado momento ele olha pela abertura da janela, talvez atraído pela luz da minha luminária que revela muito pouco do quarto. Num segundo de estupidez, chego a pensar se ele voaria para dentro do quarto no intuito de se proteger. Mas ele me ignora, fincando novamente sua cabeça sobre o corpo e fechando os olhos bombardeados pela garoa.
O vento muda seu sopro e o quarto se torna mais úmido, ameaçando os papéis do meu trabalho. Penso na manhã que virá, e o fio vazio sem a presença do viajante noturno que ali buscou abrigo. Ele vai seguir sua jornada, saciar sua fome na próxima noite, sem se importar que nesta, o máximo que ele pode fazer é suportar o vento, o frio e o peso da água em suas asas.
Carlos Reno
O ar pela abertura da janela se torna úmido, então eu noto uma garoa tão fina que as gotículas dançam em vários sentidos iluminadas pela lâmpada do poste em frente. O poste sustenta fios que balançam ao ritmo imposto pela brisa noturna, distribuindo gotas ao longo da calçada.
Num desses fios ele está pousado, reluzidas pela umidade, suas penas mais parecem carapaças sobre suas asas, que cobrem um torço diminuto e ameaçadoramente sombrio. Sua cabeça, fincada sobre o corpo na tentativa de sobreviver ao frio, se mescla a negritude e só é revelada pelas gotas que escorrem até a ponta do alongado bico, e pelos olhos de extrema cor ocre.
No balançar do fio, ele se equilibra, como se ali já estivesse por toda sua vida, indo e vindo, deixando o vento reger a inconstância do momento. Vez ou outra ele sacode sua cabeça e penas, para que o excesso de água seja lançado ao ar quase que em borrifos brilhantes. Em dois passos curtos para o lado, ele se ajeita novamente, e seus dedos circundam fortemente o fio.
Sua cauda de penas negras e alongadas fazem movimentos verticais a cada sopro mais forte que o vento dá, afim de garantir o equilíbrio na sua insólita pousada. Em determinado momento ele olha pela abertura da janela, talvez atraído pela luz da minha luminária que revela muito pouco do quarto. Num segundo de estupidez, chego a pensar se ele voaria para dentro do quarto no intuito de se proteger. Mas ele me ignora, fincando novamente sua cabeça sobre o corpo e fechando os olhos bombardeados pela garoa.
O vento muda seu sopro e o quarto se torna mais úmido, ameaçando os papéis do meu trabalho. Penso na manhã que virá, e o fio vazio sem a presença do viajante noturno que ali buscou abrigo. Ele vai seguir sua jornada, saciar sua fome na próxima noite, sem se importar que nesta, o máximo que ele pode fazer é suportar o vento, o frio e o peso da água em suas asas.
Carlos Reno