9 de mar. de 2010

OPALA 76



Saí da rodoviária de Ribeirão Preto, atravessei o Mercado Municipal e aguardo o sinal abrir para começar minha caminhada matinal de sexta-feira, pela Avenida Américo Brasiliense acima, com destino à Barão do Amazonas para mais um dia de aula. Em meio a todos os carros, motos e ônibus, ele cruza a minha frente... Sua lataria branca com faixas negras do capô até a traseira, totalmente manchada e desgastada, lanternas opacas de sujeira, pára-choque e rodas enferrujados. Ele passa pelos meus olhos com seu ronco cansado e melancólico.

O sinal abre e eu permaneço parado, observando sua passagem, como em reverência a um Titan aposentado. Minha memória é tomada de assalto nesse momento...

Eu me vejo em outro lugar, cidade pequena do interior, início dos anos 90. A minha imagem de 16 anos é algo meio que risível a primeiro momento, cabelos espetados com New Wave, imitação de Ray-Ban espelhado, que insistia em ficar torto na minha face, mas que pelo menos, escondia parte das espinhas, Marlboro no canto da boca, camisa preta com três botões abertos mostrando o peito liso... A típica figura do cafajeste padrão, de extrema importância para a auto-afirmação adolescente da época.

Lá estava eu, em um dos momentos mais gloriosos da minha juventude... Pegar escondido o Opala branco SS 76 do meu pai.

Eu viro a chave e sorrio com o canto da boca ao ouvir o rosnado do motor, ajusto os espelhos e neles vou vendo minha casa ficando para trás. Empurro a fita K7 que está preparada no Rod-Star auto-reverse, e das caixinhas de som das portas, Axl Rose começa a esguelar: “Welcome to the Jungle!”

Eu tomo o caminho da área rural, afinal, eu tenho 16 anos e não quero ser pego nessa empreitada, nem pela polícia e muito menos pelo meu pai.

Na estrada de terra, uma nuvem de poeira vai ficando para traz. A traseira larga do Opala dança nas curvas, mesmo assim eu acelero em terceira marcha, para sentir o motor reclamando do meu pé.

Passo por uma pequena ponte de madeira, próximo de onde dois senhores estão carpinando, eles param o trabalho, tragam seus cigarros de palha e praguejam qualquer coisa contra mim.

Eu saio da estrada e pego uma trilha que corta um pomar de laranjas e entro por outra trilha lateral a um pasto. Quando o carro sai do laranjal, os cavalos se assustam e correm, alguns deles dando pinotes e coices no ar.

Uma moça estende roupas no varal da casa de um pequeno sítio, ela arregala os olhos quando vê aquele vulto branco se aproximando. As galinhas fogem em carreira deixando o caminho livre para minha passagem. Eu desço outra trilha de ladeira, ultrapasso um trator carregado de balaios e chego a uma estrada que contorna a represa da velha usina. Meu coração vibra com o painel de plástico duro, o vento em minha face ameniza o calor da tarde, eu aperto a mão sobre o câmbio, reduzo a marcha para sentir minhas costas colar no banco com a arrancada. O sol faz a água da represa brilhar, e projeta a sombra do Opala nos barrancos do lado oposto. A silhueta daquele momento me remete a algum filme de ação qualquer.

...

O sinal fecha novamente e eu nem sequer cheguei a atravessar a rua. O velho carro enferrujado segue seu caminho, sumindo no trânsito da cidade. Eu seguirei o meu, lembrando do dia que fui herói de um filme imaginário, meu cavalo branco era de ferro, e se chamava Opala 76.

Reno

(Texto e Ilustração originalmente publicados na revista MIX-Ribeirão)